TOQUE
A síndrome do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOQUE) corrói o cérebro da classe média. Trata-se do mau gosto nos mínimos detalhes. Em tudo o que põem a mão há um toque de refinamento. Por exemplo: a mania de converter nomes mundanos em criações literárias de banca de jornal. Se a fulana tivesse nascido em berço esplêndido – ou de pais minimamente ilustrados no bom senso –, chamar-se-ia Carolina ou Adriana ou Mariana. Como nasceu no subúrbio da cidade grande, numa daquelas casas subtraídas de quintal, cujos portões invadem o passeio público para dar lugar à traseira do carro do ano, financiado em 36 vezes, atende pela graça de Caroline, Adriane, Mariane. A mãe, obesa e loira, excluídas as raízes dos cabelos, e o pai, tatuado, fortinho&foda, escolheram o nome por conta do verniz, como se os sufixos -ane, -ene e -ine denotassem estirpe e fossem muito comuns na literatura francesa do século XIX. A menina cresce idolatrando Xuxa e todos os Genéricos congêneres: Angélica e Eliana na versão infantil, Adriane Galisteu e Luciana Gimenez na versão adulta e Hebe Camargo e Ana Maria Braga na versão senil/esclerosada. Dá escândalo no shopping sempre que passa diante de uma vitrine e identifica o mais novo modelito de sandália assinado por qualquer uma de suas ídolas. A mãe, que não gosta de fazer feio nos almoços familiares de domingo, geralmente realizados na choperia do bairro, ao sabor de galeto de frango, tampouco resiste a comprar o acessório de plástico rosa (no cartão de crédito do marido) para embelezar a filha. No fim de semana, a felicidade vem em dobro: a mãe mostra que não só entende de moda como pode pagar por ela e a menina, fantasiada de boneca de luxo, interpreta, para os parentes e para as demais pessoas presentes no restaurante, a última canção de Ivete Sangalo. Do outro lado da mesa, a madrinha, orgulhosa, bate palmas e comemora, “parece uma atriz mirim!”. O toque pode representar a decadência mais prosaica e feliz. Caroline e Adriane e Mariane cumprirão seu destino e tornar-se-ão putas, senão de fato, pelo menos de espírito.
2 Comments:
Vc realmente viu essa cena bizarra?
vejo cenas bizarras como essa sempre que me arrisco em feijoadas aos sábados e galetos aos domingos.
não é meu estômago que se interessa pela comida. meu espírito é que se diverte com a nossa miséria intelecutal.
(é o Bunda falando. postei sem estar logado)
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