pelô
Um nóia pode ser reconhecido à distância, pelo olhar vidrado no invisível e pela superfície da pele, escalavrada como o asfalto de uma rua da periferia.
Em dias de calor intenso, é comum vê-los recostados nas fontes, banhando de sol as feridas abertas na carne pelas pauladas das noites em claro e o resto do corpo de respingos de água suja enquanto, na mais serena paz, curtem um banzo - o breve momento de lucidez que antecede a necessidade incontrolável de mais uma pedra.
A urgência contra-ataca de repente: uma coceira insistente na borda interna do crânio, que a mão não alcança, mas que precisa de alívio imediato, sob o risco de se tornar uma convulsão, um colapso nervoso. Nada a não ser o vapor da rebarba pode amainar a aflição da feridinha; o nóia sabe disso, apesar de já encontrar dificuldade em organizar as idéias. O pensamento lhe vem como um amontoado de sensações e reminiscências.
Caminha pela multidão como se estivesse perdido num labirinto. A realidade objetiva se funde ao universo fantasmagórico da fantasia: quadros remotos do passado anterior ao centro velho da cidade, lembrança vaga de certos princípios que constituíam a ética e um mundo de valores abstratos reduzido ao individualismo da necessidade fisiológica.
O nóia esquiva-se dos passantes como se fossem eles os trombadinhas, uma gente estranha que não tem feições claras e fala outra língua; a não ser quando se concentra em algum tipo de esquema para arrancar dinheiro, então o ouvido apreende o português e a boca articula palavras semelhantes àquelas que o pensamento vislumbra através da névoa.
“Chega aí, meu rei, to vendendo aqui essas pulseiras pra me ajudar a comer”
As pulseiras que ele leva na mão esquerda, uma, verde limão, a outra, vermelha, devem ter sido achadas no chão. Estão encardidas e só caberiam no pulso de uma criança.
“É sério, meu rei, to com um esquema aqui que é do bom. Cinco conto o papel”
O passante resolve que é esperto, conhece as artimanhas da boca do lixo. Pergunta qual é a do bagulho, se pesa um pra um?
“Oxe, to vendo que o paulista entende do assunto. Saca só a pulseira, rei”
O nóia deposita na mão do passante um papel embrulhado enquanto tenta fechar a pulseira verde. O paulista recusa a mercadoria, ainda crente que se trata de maconha.
“É de graça, rei. Meu nome é Juninho e to sempre aí na área pro que der e vier. E to de dando a parada aí que é porque você respeitou minha dignidade parando pra me ouvir, falo”
O paulista padece de bondade no coração e resolve que é seu dever comprar a pulseira, que custa 3 Reais. Mas o paulista também padece de imbecilidade crônica e saca do bolso uma nota de 20, a menor que ele tem.
“Vamo trocar isso aí, rei, chega ai. Fica tranqüilo, rei, que num sou bandido não, é logo ali”
Levado até um fliperama, o paulista acaba por comprar uma água mineral e duas pulseiras de merda por 15 Reais. O nóia não quer nem saber. Despede-se do paulista que caiu no golpe como um legítimo bundão.
Em dias de calor intenso, é comum vê-los recostados nas fontes, banhando de sol as feridas abertas na carne pelas pauladas das noites em claro e o resto do corpo de respingos de água suja enquanto, na mais serena paz, curtem um banzo - o breve momento de lucidez que antecede a necessidade incontrolável de mais uma pedra.
A urgência contra-ataca de repente: uma coceira insistente na borda interna do crânio, que a mão não alcança, mas que precisa de alívio imediato, sob o risco de se tornar uma convulsão, um colapso nervoso. Nada a não ser o vapor da rebarba pode amainar a aflição da feridinha; o nóia sabe disso, apesar de já encontrar dificuldade em organizar as idéias. O pensamento lhe vem como um amontoado de sensações e reminiscências.
Caminha pela multidão como se estivesse perdido num labirinto. A realidade objetiva se funde ao universo fantasmagórico da fantasia: quadros remotos do passado anterior ao centro velho da cidade, lembrança vaga de certos princípios que constituíam a ética e um mundo de valores abstratos reduzido ao individualismo da necessidade fisiológica.
O nóia esquiva-se dos passantes como se fossem eles os trombadinhas, uma gente estranha que não tem feições claras e fala outra língua; a não ser quando se concentra em algum tipo de esquema para arrancar dinheiro, então o ouvido apreende o português e a boca articula palavras semelhantes àquelas que o pensamento vislumbra através da névoa.
“Chega aí, meu rei, to vendendo aqui essas pulseiras pra me ajudar a comer”
As pulseiras que ele leva na mão esquerda, uma, verde limão, a outra, vermelha, devem ter sido achadas no chão. Estão encardidas e só caberiam no pulso de uma criança.
“É sério, meu rei, to com um esquema aqui que é do bom. Cinco conto o papel”
O passante resolve que é esperto, conhece as artimanhas da boca do lixo. Pergunta qual é a do bagulho, se pesa um pra um?
“Oxe, to vendo que o paulista entende do assunto. Saca só a pulseira, rei”
O nóia deposita na mão do passante um papel embrulhado enquanto tenta fechar a pulseira verde. O paulista recusa a mercadoria, ainda crente que se trata de maconha.
“É de graça, rei. Meu nome é Juninho e to sempre aí na área pro que der e vier. E to de dando a parada aí que é porque você respeitou minha dignidade parando pra me ouvir, falo”
O paulista padece de bondade no coração e resolve que é seu dever comprar a pulseira, que custa 3 Reais. Mas o paulista também padece de imbecilidade crônica e saca do bolso uma nota de 20, a menor que ele tem.
“Vamo trocar isso aí, rei, chega ai. Fica tranqüilo, rei, que num sou bandido não, é logo ali”
Levado até um fliperama, o paulista acaba por comprar uma água mineral e duas pulseiras de merda por 15 Reais. O nóia não quer nem saber. Despede-se do paulista que caiu no golpe como um legítimo bundão.
11 Comments:
Como diz a canção, atenção para a regra três...
1. O Pelourinho é a boca do lixo em Salvador. Autêntica cracolândia.
2. Sim, eu gosto de Magritte.
3. Os inconformados que dêem a bunda.
tá confusa a sua história, querido.
pra começar, ele tava te oferecendo um papel ou um baseado? bom, ok, aí vc recusou, ele falou que te dava de graça. ele te deu um papel vazio, é isso? por que vc comprou uma água e duas pulseiras por 15 reais? não era 3 reais cada pulseira? supondo que a água fosse 2 reais, vc teria gasto até aí 8. vc pagou a água com uma nota de 20, ficou com 18 de troco. por que vc daria 15? ou que desse tudo, ou que desse 8, ou que desse 10...
não se diz por aí que homens são bons em matemática, porra?
em terra de cego, quem tem um olho é rei
[classe-média paulistana droguete se aventura pelos bêcos da cidade alta e se fode] - um título?
Sobrei com 5 Reais na mão.
A água, de fato, custou 2.
Voltaram pra mim, portanto, 1 nota de 10, 1 de cinco, 1 de 2 e 1 de 1.
O nóia num queria saber de fazer conta, Dona. Me deu a de 5 e saiu andando com o resto.
Entendeu porque eu me fodi?
A sua maneira de escrever é muito interessante.
Se não existir problema, posso linkar o seu blog no meu outro:
http://cartasintimas.zipe.net/
O paulista, maltratado pela matemática, resolveu descontar na gramática.
Lendo e relendo e relendo de novo, lembrei de uma coisa...
Turista tem cara de turista né, por mais que tenhamos o melhor guia Planet lonney do universo com todas as dicas e manha, sempre seremos turistas.
Compraremos nos lugares mais caros, levaremos gato por lebre, andaremos a pé por 10 quadra por acreditar em informações de pessoas que dizem, ahh é logo ali. Beijaremos as mulheres mais lindas e mais espertas e no outro dia saberemos que o albergue inteiro beijou a “Manuelita da rua dos amigos” pois é considerada como ponto turístico da boemia .. ai ai...
Turista é turista..e claro sempre iremos ter que ir atrás do vendedor para trocar o dinheiro, porque eles nunca tem dinheiro trocado, isso quando eles não insistem para levarmos outra coisinha para arredondar o troco...
O foda é quando compramos de 5 numa banca e achamos que fizemos o negocio do século, e na próxima rua achamos de 3 e sem pechinchar...
Esse é o Grande barato de tudo... ser turista e poder contar o barato da viagem...isso a enriquece de uma forma maravilhosa...
E as pulseirinhas eram legais pelo menos?
wev's deveria escrever no seu próprio blog. aqui é pra comentar.
Wev's escreve direitinho, apesar de ser um pouco naïf. Deixa ele, Torbem.
Tá no texto que eram encardidas e provavelmente foram achadas no chão. Logo, eram uma bela duma merda.
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