05 junho 2006

2o movimento da 7a sinfonia

Aquela mesma cena talvez se repetisse em um milhão de apartamentos durante a madrugada, mas em nenhum deles adquiria sofisticação semelhante. Era impossível ser seletivo na hora de escolher que clipe de vídeo baixar. A infinidade de opções e o colorido dos nomes o obrigavam a clicar em todos os arquivos disponíveis, sem discriminação. Analisava-os conforme eram descarregados no seu computador, antes mesmo de completadas as transferências. Aqueles que não satisfaziam o seu paladar eram prontamente descartados. Era a única maneira de ser criterioso. Não queria entupir a máquina com arquivos mortos, de gosto duvidoso. Excentricidade não é indiscriminação. Tinha preferência pelas morenas de pele clara. Não gostava de cenas explícitas demais, os closes de açougue. Era fundamental que o rosto da mulher aparecesse na tela e ela demonstrasse necessidade sincera e visceral do sexo excessivo que recebia em pancadas. A mecânica da cópula ele entendia bem. Estudava-a com afinco na imaginação e na vida real, aplicando as fantasias adquiridas pela internet e as surgidas espontaneamente nas namoradas que passavam pela sua vida como a água nos córregos. O que lhe parecia mais raro de acontecer eram a sincronia e sintonia de olhares que tornam as palavras necessárias em medida justa, essencial e econômica. Para tanto a cor da pele deveria ser branca e a aureola dos seios, assim como a carne entre as pernas, rosa, quase escarlate. Pelos bem aparados e bicos como botões completavam o quadro ideal. Na tela do computador, essas mulheres não tinham cheiro, mas na sua cabeça assumiam vapores íntimos e inexplicáveis. Descrever odores é tarefa inefável. São como o vinho e só podem ser conhecidos na íntegra se apreendidos pelos sentidos. A razão não serve ao prazer de se deixar levar pela ebulição do sangue. A razão, inclusive, era justamente a faculdade que perdia por completo durante o ritual de varar a noite diante da tela em busca da mulher perfeita. Aquela que julgava digna do seu esperma provavelmente contentaria qualquer outro dos novecentos e noventa e nove mil insones que como ele se masturbavam com a freqüência e a intensidade da compulsão. O que tornava o seu ritual incomum era a trilha sonora. Além do rigor visual, havia o auditivo. O segundo movimento da sétima sinfonia do Beethoven lhe servia de Éden. A sensação de se deitar nas nuvens ou arder no sétimo círculo do inferno. Não saberia explicar – outra descrição inconcebível. Certos conhecimentos da vida são reminiscências. A memória não sabe trabalhar senão pela analogia. Uma vez encontrado o par daquela noite, acionava o media player e inseria os fones do discman no ouvido. De início, o ritmo da cena explícita que engolia os seus olhos não combinava com a melodia. Sua imaginação, no entanto, era pródiga, capaz de ajustar a mais depravada orgia ao imprevisível - porém delicado - (des)concerto da sua fantasia. A mesma cópula era reproduzida mais de três, quatro, cinco vezes; também a sinfonia. O looping se assemelhava às preliminares. Não se considerava pronto para evacuar sua genialidade – esse era outro dado importante: naquele momento, a criatividade tornava suas noites brancas e lhe afligia a alma porque não sabia como exorciza-la a não ser pela pornografia – enquanto seu membro não estivesse devidamente túrgido. Admirava-o como instrumento de poder, inflamado e rijo, veias saltando debaixo da pele como se a qualquer momento pudessem estourar. O calibre do pênis é mais impressionante que o comprimento. O arco que ele descreve lhe atribui caráter. Seu cetro dobrava para baixo e apontava a terra. Achava curioso como a glande aumentava ainda mais de proporção quando constringia o sangramento. Ficava da mesma cor do seu temperamento. Exercitava aquele músculo como se esculpisse algo inédito, como Deus criou o homem a partir do barro, e só ao cabo de quarenta minutos expelia o seu ovo. Aquele pedaço de papel higiênico poderia muito bem ser os lençóis de uma cama king size em Las Vegas. A sofisticação da fantasia tinha um pé no cúmulo do cafona. A capital mundial do jogo lhe parecia a terra natal de todas as musas da madrugada. Tinha a impressão de que eram mais complacentes às suas manias quando se sentiam em casa. De fato, deitavam, rolavam e ficavam de quatro, dizendo atrocidades em inglês. O nome de Deus era, repetidas vezes, pronunciado em vão e até mesmo maldito. Adorava a boca suja das mulheres que elegia, principalmente quando se lambuzavam das sobras dele. O líquido branco jorrava para além do vidro que o circunscrevia à realidade e por todos os lados. O ritual acabava abruptamente. A incontinência do orgasmo na boca delas, sobre o papel e sobre as suas coxas. Uma gota sempre manchava as calças que haviam acabado de voltar da lavanderia. O pingo de vergonha que denunciava a pobreza de espírito daquele gesto. Revelava a preguiça de não terminar a cena da peça, o conto, o roteiro do curta-metragem ou mesmo o trabalho da faculdade. Era difícil de a remover. Só mesmo esfregando com água morna. Ou então delegando a tarefa para a diarista. As empregadas domésticas conhecem todos os segredos sórdidos da classe média. Têm o poder de destruir casamentos e famílias, mas foram educadas para obedecer. A diarista devia saber que ele fazia parte do seleto grupo dos maiores masturbadores da cidade. Devia saber muitas outras coisas. O que ninguém sabia era que ele alimentava a pornografia ao som do segundo movimento da sétima sinfonia.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Texto denso, requintado e profundamente melancólico. Deu vontade de pegar o punheteiro insone no colo. Acabou com minha tarde, mas parabéns.

3:33 PM  
Anonymous Anônimo said...

boa, bunda. voltou bem agora. só num vai ficar mais 3 meses pra escrever outro.

12:46 AM  
Anonymous Anônimo said...

Literatura é uma grande punheta.

12:50 PM  
Anonymous Anônimo said...

o bunda aprendeu:
fuseau seca mais rápido.

8:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

E masturbação é arte.

3:59 PM  
Anonymous Anônimo said...

o melhor texto até agora.
siga nessa linha, se me permite a sugestão.

lembremos: a masturbação é para todos. E todas. A alegria maior dos solitários.

10:41 PM  

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