16 março 2007

bunda in brasília


Hoje fiquei bem puto. O pagamento do seguro do meu carro atrasou, e fui escalado pra fazer uma vistoria prévia. Os endereços das oficinas que a Porto Seguro me mandou eram todos de cidades satélites, afinal, no Plano Piloto não há um setor automobilístico W3XPTO. Lá fui eu conhecer Guará numa linda tarde de sexta-feira. (A propósito, estou em Brasília.)

Custei pra achar a mecânica, cujo nome é realmente um capricho da função poética da linguagem: AdAUTO Coelho. Adivinhem o nome do dono! Pois ele não estava, e quem me atendeu foi o Fábio. O profissionalismo do rapaz, característica que torna os serviços paulistanos excepcionais e inexiste no Planalto Central, assim como em qualquer parte do Brasil fora do Sudeste, deixou-me contente. Expliquei a ele meu problema, e Fábio, sem titubear, apresentou-me a solução: "vistoria prévia, senhor, é só na própria Porto Seguro, que fica na Asa Norte".

Para quem não conhece Brasília, a cidade tem o desenho de um avião (ou de um passarinho, como queiram). Guará fica a uns quarenta minutos da saída sul, localizada na extremidade da asa sul. O escritório da Porto Seguro, por sua vez, localiza-se na asa norte, a direção, em palavras que apetecem aos pedantes da academia, DIAMETRALMENTE OPOSTA.

Agora, é só fazer as contas: 40 minutos para chegar a Guará, 30 minutos pra achar a AdAUTO Coelho, 20 minutos pra ser informado de que havia me fodido redondamente, 20 minutos pra encontrar a saída de Guará que leva a Brasília (curiosamente, a cidade só tem placas em uma das mãos da avenida; quem segue no sentido contrário está como cego em tiroteio), 40 minutos pra chegar a Brasília e 30 minutos no trânsito das 18 horas (levando em consideração que os segundos piores motoristas do Brasil são os candangos – os primeiros são os soteropolitanos – e que eu me perdi). A soma dá 180 minutos ou 3 horas.

Estou em um momento um tanto quanto delicado da vida. Meu tempo está valendo ouro. Perder a tarde rodando inutilmente debaixo do sol escaldante do cerrado significa pra mim enorme prejuízo. Além da gasolina, deixei de investir horas preciosas nos livros de Direito e Economia. Para agravar ainda mais o quadro, o mau humor com que cheguei em casa foi tamanho que não consegui me concentrar em outra coisa senão a perspectiva de encher a cara de cerveja mais à noite. O dia de estudos foi pro brejo.

Pensando bem, o que mais me emputeceu no dia de hoje não foi Guará nem a atendente da Porto Seguro que me mandou ir lá. Foi o Lúcio Costa. Esse filha da puta inventou a única cidade no mundo onde é possível se perder andando em círculos idênticos. Trata-se de um verdadeiro paradoxo. Como há poucos edifícios em Brasília e sua topografia é plana, o destino a que se quer chegar pode ser visto de praticamente qualquer ponto da cidade. A avenida que leva até ele é também visível. Porém, chegar é impossível. Brasília constitui um labirinto intransponível cuja saída, no entanto, é evidente. E nada no mundo pode provocar mais cólera do que sair de um lugar e retornar a ele indefinidamente. A paisagem que se repete parece querer enlouquecer o motorista, incutindo-lhe vertigens de ódio profundo; os pedestres, reconhecendo o mesmo automóvel passando uma, duas, três, quatro vezes, confirmam para si mesmos, “que perfeito bundão – ou é louco ou é idiota”. Viadutos, rotatórias, retornos – na capital federal, tudo leva ao mesmo ponto: o ponto de partida.

Dizia-se, na Antiguidade, que todos os caminhos levavam a Roma. Hoje, posso dizer quase o mesmo: todos os caminhos levam à puta que pariu Lúcio Costa.