27 abril 2006

Altiva

Todos aqueles que detestam os cães são por eles perseguidos.
A irmã de uma amiga minha cria uma vira-latas em casa cujo nome é Altiva. Apesar de ser extremamente educada, a cadela passa o dia todo trancafiada na área de serviço. Minha amiga, que é arquiteta e preza ambientes clean, não a suporta. Tem nojo dos seu olhar canino, do seu hálito canino e do seu cheiro canino.
Um belo dia, chegou em casa depois da aula de natação, entrou no seu quarto e foi surpreendida por uma lofa indigna. Acendeu a luz e pesquisou a origem do mau cheiro. Vinha da maquete que recentemente havia montado para a apresentação do seu TCC na faculdade.
Não deu outra: a Altiva altivamente lhe cagou a maquete.

06 abril 2006

Amaury


Quando ele chega ao bar, a trilha sonora é a mesma do programa de seu mestre homônimo, “keep it comin, love, keep it comin, love; don´t stop it now, don´t stop it now”...

Sempre por dentro dos babados e das baladas, Amaury é o gazetinha dos eventos sociais. Gosta de ser o centro das atenções e faz de tudo para conquistar a simpatia dos boêmios presentes. Mas sempre em grande estilo, é claro. Amaury descende de uma nobre família de imigrantes italianos do Bixiga, aquela gente cujo português foi espirituosamente esculhambado pelo grande Adoniran Barbosa.

Por motivos de discrição, ao invés de se assumir carcamano, prefere dizer que é mediterrâneo, pois, além de soar mais elegante, ele, de fato, possui cidadania européia. Autêntico aristocrata, veste-se como lorde inglês, fala como intelectual, porta-se como embaixador e ri como dândi. O cerimonial do Itamaraty que se prepare: em agosto ele chega a Brasília mau intencionado e disposto a tocar o terror.

Amaury adora contar piadas pedantes sobre diplomatas e grandes estadistas, desprezar a classe média paulistana em francês ou italiano, celebrar o outono nas capitais do “velho mundo”, beber scotch até quase cair, conversar com os garçons como se fossem seus melhores amigos e flertar com todo mundo, sem exceção.
Apesar do olhar frágil por trás dos óculos de armação grossa, ele é um verdadeiro vulcão de lascívia. Conforme o álcool lhe sobe à cabeça, sua personalidade se transforma (tornando-se mais agressiva, inclusive), mais ou menos como a história do médico e do monstro: de mauricinho para Amaury, de Amaury para Maurão e de Maurão para o Pronto Socorro.

A máxima, “mulher de amigo meu, pra mim, é homem”, é o lema de Amaury, que, terminadas as primeiras três doses de uísque, faz terra arrasada dos matrimônios. No estágio Amaury da noite, as namoradas que se cuidem – ele tasca beijos de língua como quem diz boa noite. Já no segundo estágio, alta madrugada e próximo do coma alcoólico, Maurão pode estar à espreita e convites como “vem conhecer o meu laptop novo” ou “você não quer pendurar o seu casaco no meu cabide?” representam literalmente the point of no return.

Uma das maiores virtudes de Amaury é guardar segredos. Sua boca é um túmulo como os sarcófagos egípcios (que já foram violados por todos os expedicionários ingleses e larápios árabes que visitaram as pirâmides desde 1842). Poucas pessoas são tão sinceras quanto ele, já que poucos, como ele, possuem a integridade de uma prostituta da baixa Augusta. Amaury fala tudo (isto é, TUDO) para os amigos e, como tem muitos, não há nada da vida de um que o outro não ficou sabendo pela sua língua viperina. No entanto, por milagre ou por ser o cúmulo do joie de vivre, ninguém consegue romper relações com ele.
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Amaury é daqueles amigos que fazem milagre e tiram leite de pedra...
(Na foto da Caras, Amaury botando pra quebrar em mais um evento descolo na Sociedade Harmonia de Tênis)