30 janeiro 2006

fio terra


O assunto é polêmico. Alguns repudiam sem nunca ter experimentado (mentira), outros amam, mas jamais admitiriam que sim. Mas todo mundo já ouviu uma boa história relacionada ao famigerado fio terra, conhecido nas ruas também como "pula, pirata!" ou, mais recentemente, como uma variação do futebolístico "pedala, Robinho!".
A seguir, o relato de um grande amigo do Bunda, o Paulão, que flagrou a mãe do Loló levando uma bela de uma dedada...
Estava eu, certa feita, correndo lá na pracinha perto do Colégio Pentágono quando vi os pais do Loló andando na minha frente.

A distância era grande, mas logo os reconheci, pois sempre os via por ali. Nesse dia, o Sr. Papai do Loló estava especialmente carinhoso com sua pia, fiel e amantíssima esposa.

Passava galantemente a mão direita nas costas da respeitável mulher. Os dois conversavam como adolescentes enamorados.

Conforme me aproximava dos pombinhos, notei que a mão do Sr. Papai do Loló caía sob o peso irresistível da paixão e pousava sobre a generosa poupança da digníssima senhora.

Quando eu estava a menos de dois metros do casal de amantes, tendo os olhos fixos naquelas carícias, percebi o confiante Sr. Papai do Loló enterrar, súbito, o dedo indicador no rabo de sua potranca!

Indomável, a surpresa matriarca deu o pulinho característico dos que levam dedada no cu e, em um átimo, olhou para trás na esperança de que ninguém tivesse visto aquela ostentação de luxúria.

Pânico! Foi o que vi no rosto da pobre senhora ao notar o amigo do filho tão perto. Menos de meio metro nos separava então.

Elegantemente, cumprimentei-os com o respeito de quem já pegou muita carona com aqueles prestativos vizinhos e continuei meu jogging, tendo em vista que as calorias não sucumbem à imoralidade.

Perdi-me então em pensamentos sobre o que conversavam antes do famigerado pula-pirata. Imagino que ele dizia: "Hoje eu tô a fim de comer cu!" - e, percebendo a resistência da parceira, adiantava: "Não tem 'mas' nem 'menos'! Hoje é dia de tocar o lado B do disco! É cu e ponto final!"

Foi um desses momentos mágicos que mudam a vida de uma pessoa.

26 janeiro 2006

Loló a pique


15 metros separavam-no do Paraíso. Apenas 15 metros, não mais que isso. Uma distância ínfima, mas ao mesmo tempo, dadas as circunstâncias, instransponível.
Até respirar era difícil em meio à multidão de pessoas que dançavam freneticamente, falando alto e suando em bicas. Ao fundo do bar, uma banda de samba rock arriscava mais uma das canções do Tim Maia Racional. O vocalista, um japa com cara de técnico em informática, liderava a animação. Empolgado com a resposta positiva do público, resolveu se empetecar com um óculos de sol. Agora, parecia um hacker. Com ele ninguém podia, nem o Mick Jagger.
A cabeça de Loló pesava-lhe nos ombros mais que o normal, entorpecida de maconha, álcool e agora pela neblina formada pela fumaça dos cigarros. A música também não lhe estava fazendo bem. O japa de óculos escuros era a prova cabal de que havia se enfiado numa imensa roubada. Uma noite de sábado em lugares como o Moai ou o extinto Sem Eira Nem Abilene pode ser mais cruel que uma temporada no porão do DOPS - um suplício físico além de financeiro.
Algo não ia bem nas entranhas de Loló. Seu estômago roncou como se alguém o tivesse torcido. Uma dor indescritível imediatamente correu-lhe a espinha e uma gota de suor frio escorreu pela sua têmpora. Aquele era o aviso de que o barraco de pau-a-pique ia, literalmente, cair. E a única solução para o seu grave problema era vencer a barreira humana que bloqueava o acesso ao water closet. O segundo chamado seria definitivo.
Atordoado, Loló só conseguia pensar em duas coisas: na intensidade da dor que lhe corroía as entranhas e no instante glorioso da sua coroação, quando, vitorioso, ocupasse o trono da casa noturna. Embrenhou-se na multidão, mas não conseguiu dar mais do que cinco passos. A pressa fez com que sua pressão caísse radicalmente.
Já sem forças, Loló apoiou-se no ombro de seu amigo Wiley e anunciou, "me segura que eu vou desma..."
Quando acordou, Loló estava olhando para um fio de água correndo rente à sarjeta. Não sabia mais onde estava nem o que havia acontecido. Seu pescoço estava travado, duro como rocha. A visão e os demais sentidos ressucitaram aos poucos, mas foi o olfato que despertou primeiro, estimulado pelo vapor inconfundível de merda humana. Os olhos de Loló localizaram a origem da lofa: vinha de dentro das suas próprias calças que, reparou só então, estavam encharcadas de mijo.
Assim que tomou consciência de que havia se cagado inteiro e fora carregado para fora da balada como um morto, Loló levantou-se num salto. Ou melhor, levantou-se o mais rápido que pode, tomando cuidado para que a carga pesada não escapasse da cueca e escorresse pelas pernas. Sem se despedir dos amiguinhos que o olhavam com um misto de asco e espanto, "correu" até o carro e partiu.
Um manobrista cheio de graça chegou a perguntar se ele havia perdido as pregas, mas Loló não se dignou a responder. Todo fodido, ainda tinha outro probolema para solucionar: como dirigir até em casa sem apoiar a busanfa emporcalhada no assento do motorista.

24 janeiro 2006

TX


Se levarmos em conta que a expressão "selva de pedra", apesar de ser uma metáfora clichê, descreve com precisão o espaço urbano, a analogia entre animais e seres humanos não só é lícita como também nos ajuda a compreender a dinâmica da vida numa grande cidade.
De que outra forma é possível entender a lógica dos taxistas trapaceiros, por exemplo, senão através do pressuposto básico do Darwinismo, segundo o qual somente os organismos mais adaptados ao meio sobrevivem? Pois, se a cidade é mesmo o antro da malandragem, então, o ditado reza sabiamente, "quem anda em terra alheia é o primeiro que apanha e o derradeiro que come".
Assim como nas florestas há diferentes espécies de bichos e, dentre essas espécies, variações de raça, os habitantes de uma cidade podem igualmente ser classificados segundo a hierarquia do reino animal. Atemo-nos à espécie dos motoristas profissionais e, mais especificamente, à raça dos taxistas, a mais numerosa e melhor adaptada aos rigores do trânsito metropolitano.
Enraizada na sua natureza, encontra-se uma obsessão pela morte. Os taxistas têm fascínio por sangue fresco, músculos dilacerados e tripas escancaradas. Onde há um acidente, há também pelo menos três taxistas acompanhando o trabalho dos bombeiros, todos torcendo contra a vida. Em segredo ou trocando entre si comentários funestos como "esse se fodeu todo, num vai dar jeito" à boca miúda, deliciam-se com a morte como se assistissem a um espetáculo teatral.
No âmbito da política, são eleitores convictos de figuras como Salim Maluf e ACM. Partidários da velha guarda da canalhice administrativa brasileira, querem nos impelir todos à morte invocando orgulhosamente e a torto e a direito o bordão "rouba, mas faz".
Alguns espécimes dessa raça, a qual votou maciçamente contra a proibição do comércio de armas de fogo e munições no último referendo realizado nessa nossa republiqueta, levam pistolas no porta-luvas de seus veículos. Acreditam que gente de bem é uma raça e ladrão é outra. Os primeiros merecem ser bem atendidos (lero macio e taxímetro viciado), os segundos merecem chumbo grosso.
Como aves de rapina, anseiam a nossa falência financeira. Escolhem sempre o trajeto mais sinuoso vendendo-o como um bom conselho, "vai por mim, colega, que esse atalho vale a pena". Mas, se conselho fosse bom, a tia Bernadete tava rica, de férias em Cancun, ao invés de resmungona e amargurada, estorvando a vida alheia durante os almoços familiares de domingo. Os taxistas sabem disso. Quando requisitados a seguir o caminho de nossa preferência, desconversam com argumentos irrefutáveis, dizendo que tem obra em não sei que ponto da avenida. Em suma, as coisas sempre são do jeito deles - letais para o bolso do passageiro.
Quando batem o carro, nunca levam a culpa. Passam o dia todo dirigindo e, por isso, não se consideram maus motoristas. É claro que, na realidade, são os piores motoristas que há, piores até que os motoristas de ônibus, outra raça de barbeiros muito comum na urbe. Mas não importa - eles são profissionais, os outros, amadores. O fim das contas é este: um motorista inoocente com cara de bunda se virando pra resolver as burocracias do seguro.
Escrevo tudo isso porque em Salvador peguei um táxi cujo motorista era um personagem. Dizia que a estrada do Côco era excomungada; muita gente tinha morrido ali. Contou de um acidente de moto em que o motoqueiro, após ser prensado por um ônibus, perdeu, literalmente, a cabeça. Além de outras coisinhas indigestas.
Vai entender...

23 janeiro 2006

pelô


Um nóia pode ser reconhecido à distância, pelo olhar vidrado no invisível e pela superfície da pele, escalavrada como o asfalto de uma rua da periferia.

Em dias de calor intenso, é comum vê-los recostados nas fontes, banhando de sol as feridas abertas na carne pelas pauladas das noites em claro e o resto do corpo de respingos de água suja enquanto, na mais serena paz, curtem um banzo - o breve momento de lucidez que antecede a necessidade incontrolável de mais uma pedra.

A urgência contra-ataca de repente: uma coceira insistente na borda interna do crânio, que a mão não alcança, mas que precisa de alívio imediato, sob o risco de se tornar uma convulsão, um colapso nervoso. Nada a não ser o vapor da rebarba pode amainar a aflição da feridinha; o nóia sabe disso, apesar de já encontrar dificuldade em organizar as idéias. O pensamento lhe vem como um amontoado de sensações e reminiscências.

Caminha pela multidão como se estivesse perdido num labirinto. A realidade objetiva se funde ao universo fantasmagórico da fantasia: quadros remotos do passado anterior ao centro velho da cidade, lembrança vaga de certos princípios que constituíam a ética e um mundo de valores abstratos reduzido ao individualismo da necessidade fisiológica.

O nóia esquiva-se dos passantes como se fossem eles os trombadinhas, uma gente estranha que não tem feições claras e fala outra língua; a não ser quando se concentra em algum tipo de esquema para arrancar dinheiro, então o ouvido apreende o português e a boca articula palavras semelhantes àquelas que o pensamento vislumbra através da névoa.

“Chega aí, meu rei, to vendendo aqui essas pulseiras pra me ajudar a comer”

As pulseiras que ele leva na mão esquerda, uma, verde limão, a outra, vermelha, devem ter sido achadas no chão. Estão encardidas e só caberiam no pulso de uma criança.

“É sério, meu rei, to com um esquema aqui que é do bom. Cinco conto o papel”

O passante resolve que é esperto, conhece as artimanhas da boca do lixo. Pergunta qual é a do bagulho, se pesa um pra um?

“Oxe, to vendo que o paulista entende do assunto. Saca só a pulseira, rei”

O nóia deposita na mão do passante um papel embrulhado enquanto tenta fechar a pulseira verde. O paulista recusa a mercadoria, ainda crente que se trata de maconha.

“É de graça, rei. Meu nome é Juninho e to sempre aí na área pro que der e vier. E to de dando a parada aí que é porque você respeitou minha dignidade parando pra me ouvir, falo”

O paulista padece de bondade no coração e resolve que é seu dever comprar a pulseira, que custa 3 Reais. Mas o paulista também padece de imbecilidade crônica e saca do bolso uma nota de 20, a menor que ele tem.

“Vamo trocar isso aí, rei, chega ai. Fica tranqüilo, rei, que num sou bandido não, é logo ali”

Levado até um fliperama, o paulista acaba por comprar uma água mineral e duas pulseiras de merda por 15 Reais. O nóia não quer nem saber. Despede-se do paulista que caiu no golpe como um legítimo bundão.

13 janeiro 2006

réptil


Me explicava detalhes do tantra enquanto sua vagina funda e mole como areia movediça engolia um pedaço de mim, drenando quase todo o sangue do meu corpo. Dizia nomes estranhos ao meu ouvido, sussurrando um hálito amargo como maresia, que me arrepiava a nuca, mas agredia o olfato.
Não nos beijamos mais do que duas vezes. Talvez porque não tívessemos acertado a sincronia em nenhuma das duas tentativas. Talvez porque fosse intimidade demais. O gosto da boca de alguém. A única porção interna do corpo a que temos acesso integral, que o tato apreende e a visão alcança.
Tampouco houve espaço para abraçar seus olhos verdes, já desbotados e tendendo para o amarelo. A não ser por um momento de recesso, deitados lado a lado e refletindo sobre o vento ralo que o ventilador empurrava para baixo custosamente. Seguiu falando do sexo como uma união espiritual, como se a ejaculação precoce fosse uma doença da minha geração. Sorria ao ver que compreendia o que dizia em outras palavras. Por experiência própria, por sensibilidade. Coisas que se entende na prática, como a curiosidade da ponta dos dedos e a incerteza do olhar que estuda repetidas vezes a mesma paisagem na dúvida ou expectativad e alguma mudança.
O orgasmo como uma descarga de energia completa. O lugar do esperma, incontinência. Ela queria que desovasse dentro da boca dela. Mas preferi me resguardar. E o ânimo acabou muito antes disso. Como uma espécie de masturbação, o devaneio feito real, volátil, quase aflitivo. Então, ela saiu pela fresta da porta e caí no sono como um morto.
Lembro do seu colo, principalmente, vemelho como saibro, a pele grossa como a de um réptil. Por alguns segundos, a impressão digital ficava ali impressa. Colo gasto de mãe e de sol. Era inteira salgada como água marinha.
Não quis virar-se de costas pra mim. Foi nesse momento que o fôlegou acabou e o tempo pesou. Tive saudade não sei de quê.

10 janeiro 2006

BG


De fato, o Bunda está de férias. Tem todo o direito, portanto, de deixar o buraco aqui às moscas.
Para quem não sabe, estou na Bahia, não mais em Trancoso, mas em BG (Barra Grande), na pousada do Serjão Bigode. Ele continua bigodudo, gente fina e comandando a padoca da esquina.
Não bebo pinga, mas mandei ver num ácido outro dia e foi bem louco. Areia rosa e pé de côco. Muito pé de côco. E pra vocês que são profissionais liberais e estão se fodendo em janeiro, recebam os pêsames desse desempregado bundão. Ou como se diz aqui: NO STRESS, PÉ DE CÔCO, YES.
A internet aqui custa uma fortuna. Vou ser breve e relatar alguns episódios da minha viagem...
1. Vindo pra de SP para Porto Seguro, havia uma gorda no busão que não parava de falar. Além de falar muito, falava alto o bastante para que todos no ônibus ouvissem. Era evangélica e, talvez por isso, se considerava uma vítima do mundo. Logo, as pessoas deviam se compadecer dela , apesar da sua chatice infinita, porque sofria e Deus devia perdoá-la da sua chatice infinita porque tinha fé. Aleluia, irmãos.
No meio da noite, perdeu os óculos e exigiu que o motorista acendesse todas as luzes do buso para procurá-lo. Como se não bastasse o incômodo das lâmpadas, a gorda ainda arregimentou as pessoas à sua frente, às suas costas e ao seu lado para que ajudassem na busca. Tudo isso em alto e bom som durante meia hora. Até que acharam o óculos dela e ela agradeceu dizendo que sem eles, era uma dor insuportável. "O caroço do olho parece que vai estourar", dizia, "cheguei ate a chorar amarelo uma vez", completou.
Desnecessário dizer que a filha caçula da gorda, chamada Keyla (sim, com Y) e feia como um cupim, gorfou na terceira hora de viagem. Dividia duas poltronas com a mãe e com um outro coitado que se fodeu como eu uma vez me fodi (ver o episódio 1 da Trilogia Suja das BR´s). Bebia iogute como uma draga.
Quando a gorda vazou em Eunápolis foi uma alegria geral. Experiência que resultou na seguinte expressão idiomática, já de uso corrente aqui no litoral baiano, "bancar a gorda". Quando alguém resolve que vai trancar a rua como o Exu, pode escrever: esse alguém está "bancando a gorda".
2. Apesar de bundão, conheci um grupo de chicas gente finíssima. Sim, o Bunda se apaixonou este verão. Ela tem um nome católico e olhos castanhos, nítidos e concêntricos como uma cicatriz. Evidentemente, nada aconteceu fora da minha cabeça fantasiosa. Ainda assim, a guapa rendeu um poema que não cabe publicar no buraco. Ela é argentina e absolutamente linda, de modo que a alma salta à flor da pele.
3. Hoje, fiquei observando uma família durante o jantar. Ao pai, atribui o apelido de Jorjão e, ao filho mais velho, Júnior.
Jorjão é do tipo que usa um Raider marinho junto como uma regata da Reebok. Puxa ferro ocasionalmente, mas a cerveja já limou sua silhueta tanto que, atualmente, está mais próximo de um bujão de gás do que do Stalone. Jorjão guia um station wagon. É aparentemente apaixonado pela sua esposa.
A única coisa que lhe tira o sono são os lábios do Júnior. Há pouco tempo, reparou que são grossos e lisos, talhados pelos deuses e ideais para a prática da chupeta. Toda vez que olha para o Júnior, essa idéia lhe provoca um calafrio. E toda vez que Júnior tenta se aproximar do pai, seja lhe contando uma história, seja abraçando-o, Jorjão o repreende. Tem horror de pensar que sua doce esposa desconfia que nessas horas seu pau infla como um balão de Hélio.
É triste saber que de fato existe um público alvo suscetível às influências da propaganda. É a previsibilidade que torna a classe média digna de asco e pena.
4. A melhor maneira de viajar é sozinho. A cabeça respira. Mas conversar com os amigos de São Paulo durante uma viagem também é bom. Há segredos que só são possíveis longe da rotina.
5. Estarei de volta dia 20 e então novamente prolixo.
Cordiais saudações aos leitores ainda interessados.